domingo, 12 de dezembro de 2010

O que é uma Crônica?

            É um dos mais antigos gêneros jornalísticos. No Brasil a crônica ganhou difusão a partir do Romantismo, com o desenvolvimento da imprensa.
            O registro mais antigo de crônica escrita em nosso país é a Carta de Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal, relatando a descoberta do Brasil.
            É uma crônica no melhor dos estilos de testemunha ocular da história. Caminha ao escrevê-la, respeitou as técnicas da cronologia, com datas e horários, descrevendo passo a passo os acontecimentos. Por outro lado, ao mesmo tempo fez comentários, aconselhou, sugeriu, criticou.
            Essa mistura de assuntos ou posições assumidas pelo cronista é bem típica de uma vertente da crônica atual. No Brasil, tivemos grandes figuras desse tipo de crônica, como: João do Rio, Álvaro Moreyra. E mais atualmente, Rubem Braga, Fernando Sabino, Carlos Heitor Cony, Nelson Rodrigues, Luís Fernando Veríssimo.
            A crônica, a princípio, chamava-se folhetim, que era um artigo de rodapé escrito a propósito de assuntos do dia, fossem sociais, políticos, artísticos e literários. Com o passar do tempo, foi tornando um texto mais curto e se afastando da finalidade de informar e comentar, substituída pela intenção de apresentar os fatos do cotidiano de forma artística e pessoal. Sua linguagem tornou-se mais poética, ao mesmo tempo, ganhou gratuidade, em razão da ausência de vínculos com interesses práticos e com informações nas demais partes de um jornal.
            A crônica é um gênero que oscila entre a literatura e o jornalismo. É o resultado da visão subjetiva do cronista ante a um fato qualquer, colhido no noticiário do jornal ou no cotidiano. Quase sempre explora o humor; às vezes, diz as coisas mais sérias por meio de uma aparente conversa fiada; outras vezes, despretensiosamente, faz poesia da coisa mais banal e insignificante.
            Normalmente é um texto curto, geralmente, escrito para um jornal ou revista. É redigido em uma linguagem descontraída, coloquial, simples, muito próxima ao leitor.
            A crônica apresenta poucas personagens e se inicia quando os fatos principais da narrativa estão por acontecer. Por essa razão, os espaços e o tempo da crônica são limitados: as ações ocorrem em um único espaço e o tempo não dura mais do que algumas horas. Pode ser escrita em 1ª ou 3ª pessoa. Isto é, o narrador pode participar dos fatos e refletir sobre eles como personagem ou ser observador daquilo que narra ou comenta. Há crônicas em que o narrador se ausenta: neste caso, todo o texto se estrutura no discurso direto de duas ou mais personagens.
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Classificação
1. Quanto a natureza do tema:
  • Crônica geral ou coluna, seção;
  • Crônica local ou de cidade;
  • Crônica especializada ou comentário.
2. Quanto ao tratamento dado ao tema:
  • Analítica;
  • Sentimental;
  • Satírico-humorístico.
Exemplo de crônica:
A crônica publicada abaixo tem como tema o relógio antigo da casa onde morou Rubem Braga, em Cachoeiro do Itapemirim, e que foi roubado recentemente da Casa dos Braga, museu mantido pela prefeitura local.
                                 
Conta-se na família que, quando meu pai comprou a nossa casa de Cachoeiro, esse relógio já estava na parede da sala; e que o vendedor o deixou lá, porque naquele tempo não ficava bem levar.
Hoje, meu Deus, carregam até uma lâmpada de 60 velas, até o bocal da lâmpada, e deixam aquele fio solto no ar.
Há poucas anos trouxe o relógio para minha casa de Ipanema. Mais velho do que eu, não é de admirar que ele tresande um pouco. Há uma corda para fazer andar os ponteiros, outra para fazer bater as horas. A primeira é forte, e faz o relógio se adiantar: de vez em quando alguém me chama a atenção, dizendo que o relógio está adiantado quinze ou vinte, minutos, e eu digo que é a hora de Cachoeiro. Em matéria de som vamos muito mais adiante. É comum o relógio marcar, digamos, duas e meia, e bater solenemente nove horas. "Esse relógio não diz coisa com coisa", comenta um, amigo severo. Explico que é uma pequena disfunção audiovisual.
Na verdade essa defasagem não me aborrece nada; há muito desanimei de querer as coisas deste mundo todas certinhas, e prefiro deixar que o velho relógio badale a seu bel-prazer. Sua batida e suave, como costumam ser a desses Ansonias antigos; e esse som me carrega para as noites mais antigas da infância. As vezes tenha a ilusão de ouvir, no fundo, o murmúrio distante e querido do Itapemirim.
Que outros sons me chegam da infância? Um cacarejar sonolento de galinhas numa tarde de verão; um canto de cambaxirra, o ranger e o baque de uma porteira na fazenda, um tropel de cavalos que vinha vindo e depois ia indo no fundo da noite. E o som distante dos bailes do Centro Operária, com um trombone de vara ou um pistom perdidos na madrugada.
Sim, sou um amante da música, ainda que desprezado e infeliz. Sou desafinado, desentoado, um amigo diz que tenho orelha de pau. Outro dia fiquei perplexo ouvindo uma discussão de jovens sobre um som que eu achava perfeito e eles acusavam de flutter, wow, rumble, hiss e outros males estranhos.
Meu amigo Mario Cabral dizia que queria morrer ouvindo Jesus, Alegria dos Homens; nunca soube se lhe fizeram a vontade. A mim, um lento ranger de porteira e seu baque final, como na fazenda do Frade, já me bastam. Ou então a batida desse velho relógio, que marcou a morte de meu pai e, vinte anos depois, a de minha mãe; e que eu morra às quatro e quarenta toda manhã, com ele marcando cinco e batendo onze, não faz mal; até é capaz de me cair bem.

                                                                           Abril, 1977

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