sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Veja um exemplo de reportagem:

Seca fora do comum no Cerrado dificulta a busca por água

Moradores precisam andar quilômetros para conseguir água limpa. Rachando a terra. Secando o rio. O capim arde à primeira fagulha, provocando incêndios colossais. Ninguém esperava um Setembro assim.

O céu que nos protege não manda uma gota d'água sequer pra boa parte do Brasil há meses. Muita gente sofre com isso. E a pergunta que fica no ar é essa: quando será que vai chover?

Nuvens correndo, como se fugissem do sol. O que foi que deu nele este ano? “O que aconteceu esse ano aqui acho que desabou”, conta Luciene da Silva do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Corrente – PI.


Desabou. Feito uma bomba incandescente. Rachando a terra. Secando o rio. Torrando planta. O capim arde à primeira fagulha, provocando incêndios colossais. Ninguém esperava um Setembro assim.


“Esse ano a seca chegou mais forte, não sei o que aconteceu”, conta a agente de saúde Maria de Fátima Nogueira.


Até na Amazônia os rios estão mais baixos e mais barrentos. Em alguns pontos do rio Madeira, na maior bacia hidrográfica do mundo, falta água limpa para consumir.

“Meu Deus, eu digo, meu Deus. Minha água já está acabando. Quero que o Senhor traga a água para nós bebermos”, diz uma moradora do lugar.

Cuiabá, sufocada, está envolta pela fumaça. Em Brasília, já são 123 dias sem chuva. O Centro-Oeste está na grande mancha de secura que abrange, ainda o sul de Tocantins, o norte da Bahia e o sul do Piauí. “A gente pode dizer que choveu menos do que se esperava. No ano de 2010 houve, no mínimo 100 dias de chuva, em uma grande área (que você pode ver no vídeo), onde se localiza o município de Corrente, no estado do Piauí”, mostra a meteorologista do Cptec/INPE Priscila Farias.


Corrente vive da agricultura, a agricultura vive da água. A cidade não tira os olhos do céu. “Choveu só até em abril, no começo, não foi nem no fim”, diz o agricultor Firmino Batista.


Com os açudes definhando, não é fácil achar água boa. As crianças adoecem. “A gente pega água sem filtrar, porque, muitas vezes pega no rio e a água é muito suja”, conta a agricultora Telma Viana.


Nos lugarejos do interior do município, os camponeses recorrem aos cacimbões, poços de água levemente salgada. “Só que neste ano, a água já baixou. E os vizinhos bebiam daqui. Mas aí faltava par nós e para os vizinhos”, diz Raimunda para quem não há nada pior do que ter que negar água para um vizinho. “Creio que podemos passar até um dia sem se alimentar, mas passar um dia sem tomar água, não podemos”, diz a agricultora Raimunda Barbosa.


Ozimar caminha pelo leito seco do riacho da vereda. “Aqui a gente pode procurar (água)”, mostra Ozimar, um pedaço do rio seco onde vai cavar. É costume na região cavar o que pode haver ainda uma mina d’água embaixo da vereda. Quanto mais forte a seca, menor a possibilidade. “Quando foge dessa profundidade, não tem como cavar mais, pois está debaixo das pedras”, explica o agricultor Ozimar Barbosa.


Sorte grande é achar água perto de casa. “Dia que tem três quatro tamborezinhos de água, tem dias que não tem de jeito nenhum”, lamenta o agricultor Wilson dos Reis que explica como é feito em dias que não tem água: “Vai buscar no rio com distância de uma légua. Eu mesmo sou um dos que vão lá buscar”.


Adaísa sabe que este ano será de grandes caminhadas. Nem a chuva das fronteiras chegou ainda. “Todo ano, no mês de julho, ainda dá umas gotas, esse ano, nada”, diz a agricultora Adaísa Silva.


Sem chuva a água fica cada vez mais longe. “Vocês vão andar muito, porque é longe”, Adaísa avisa à reportagem. São 40 minutos com sol a pino. “Tem dias que são oito vezes, cinco vezes, hoje eu fui quatro vezes (buscar água). E é água para tudo: para lavar, para beber”, explica a agricultora.


A região do Piauí, onde a reportagem está, é área de cerrado. Não é caatinga, não faz parte do semi-árido. O pessoal está acostumado com uma estação seca mais curta e mais branda do que essa. Ninguém imaginou que fosse entrar na primavera, tendo que fazer esse sacrifício todo para encontrar um pouco de água para beber.


Diante do rio seco, Adaísa topa com a boiada. Gente e bicho disputam o mesmo veio já turvo pelas patas dos animais. Adaísa desiste. Procura uma cacimba que o gado ainda não achou. Por quanto tempo, ninguém sabe. Há lugarejos em que as reses caem mortas de sede e fome. “Sem água, os bichos não bebem. E nessa seca que está aí, está feio demais”, reclama uma moradora do local.


Cantos e súplicas se espalham. Mas Filomena, rezadeira fervorosa está de mãos atadas. Pedir chuva antes do primeiro 'aguaceiro' “não presta”. “Para a gente rezar um bendito pedindo chuva agora não pode, porque ainda não deu nenhum chovisco. Tem que esperar chover para rezar os benditos de pedido de chuva”, explica a agricultora Filomena Marques.


Mas há uma outra tradição que atiça a fé do povo. Dizem que roubar santo e levá-lo de uma casa a outra, é chuva na certa. “O último santo que foi roubado aqui foi o meu, São Sebastião, e choveu muito”, conta Filomena.


Mas o São Sebastião de Filomena é guardado a sete chaves. Ela tem um ciúme danado do Santo. Ficou furiosa quando ele foi roubado. “Dizem que quando a gente zanga é que chove e é mesmo. Eu xinguei muito e foi água a valer”, ri a agricultora que diz não gostar de judiar do santo.

Fonte: www.fantasrico.globo.com/jornalismo

Nenhum comentário:

Postar um comentário